1-
O clima político-eleitoral no Tucanistão (ex-São Paulo), em bairros de classe média alta em que eu trabalho, tornou-se angustiante e mesmo perigoso. Nunca vi coisa parecida, talvez só na campanha de caça às bruxas de 89. Imagino como deve ter sido a campanha anti-jango em 1964.
2-
Aécio aparece como um campeão da ética e da boa gestão. Ninguém desconfia de que ele é um boneco de papelão criado pelo marketing. Simplesmente nem imaginam que seu governo em Minas foi um desastre e um fiasco em relação aos serviços públicos mais essenciais, nem conhecem sua atuação antipopular como senador (contra a valorização de salário mínimo, atuação nula etc.).
3-
"Votar em Dilma" aparece nesses meios quase como se confessar como adepto de uma seita satânica. As pessoas não acreditam que pessoas "pensantes" votem a favor da "quadrilha petista". A economia parece um caos, e o clima de terror impõe o FMI, o Financial Times e as Bolsas como a voz da Razão na história. O ódio foi destilado pela mídia no mais puro grau, partindo do conservadorismo estrutural, do autoritarismo e do protofascismo do atual estágio da socialização mercantil.
4-
Aqui o centro de gravidade da política para uma crítica à esquerda do próprio PT: formar os jovens -- em boa parte "marineiros" de primeira viagem, que foram às ruas em Junho nas capitais do país (sem esquecer a massa passiva e ausente) --, jovens que caem facilmente no discurso anti-corrupção insuflado pela mídia. Repetem chavões na mídia como zumbis cheios de ódio. O humor é puramente reativo, pleno de influxos de um superego rígido que manda gozar "em ordem", gozar da lei "dentro da lei", em um país que não tem lei aparente, a não ser a lei neoliberal, que eles no entanto desejam para si enquanto sujeitos da concorrência total.
5-
São muito inocentes para perceberem a pauta moralista seletiva e a luta de classes em curso nesse momento. Desconhecem por inteiro conceitos como neoliberalismo, dominação social ou luta de classes. O público médio dos jornais e desses bairros citados não tem noção adequada de economia e de política, desconhece história, ou tem acesso apenas a versões ideológicas da história criadas pela direita. E se acham cheios de si, meritocratas, num país aparentemente imerso no puro caos econômico. Os jornais reforçam o ódio mapeando que quem vota em Dilma ganha mais bolsa família mesmo. Ou seja, é ignorante e tem um voto comprado.
6-
Contudo, se há alguma coisa como uma negação dialética implicada nesse processo, ela está sob o nosso nariz: o jovem quer mais educação. Duvido muito que a manipulação que estamos vivendo aconteceria se a discussão democrática na mídia estivesse de fato instaurada. Uma lei de democratização dos meios de comunicação é urgente, bem como a requalificação do ensino em geral. Pois bem: os investimentos razoáveis em educação dos últimos anos são um ponto de comparação que combatem a campanha do PSDB, fundada veladamente em cortes nos gastos sociais nesse campo.
7-
Outra coisa: o paulista médio, criatura das práticas neoliberais e "meritocráticas", reproduz o preconceito contra o pobre nordestino que vota em Dilma, mas sabe reconhecer na hora h que isso não passa de elitismo tosco e pode acabar em fascismo. Ele tem vergonha de se reconhecer no espelho. Não poderia ser diferente num povo herdeiro de uma tradição católica e caipira, profundamente arraigada: o povo que apoia a ditadura de 64 mas se arrepende assim que os porões da tortura começam a gritar. O conservadorismo das elites e de parte dessa massa é a essência obscena, mas a fachada "cool", "cosmopolita", "politicamente correta" nessas horas pode ajudar a trazer as pessoas para a razão e para a sensibilidade diante dessa essência fascista moderna. Quebrar um intelecto abstrato como esse é uma tarefa de Hércules.
8-
Esses dois caminhos podem ser ingênuos, mas é o que eu vejo por enquanto como o possível.
Bob Klausen
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