19 novembro, 2014

A linguagem da nova direita brasileira

O nível de reificação e de empobrecimento da linguagem atingiu o grau máximo nesses grupos de extrema-direita (olavianos, revoltados on line, neoliberais, ultraconservadores, adoradores da Rota e reacionários pró-intervenção militar).
Quem não conhece, sugiro que entrem em pelo menos um desses grupos para conhecer algumas tendências sociais profundas, da maneira mais purificada e destilada, e que aparecem menos desenvolvidas em outros grupos sociais da classe média "informada". O texto abaixo ajuda a caracterizar essa linguagem.
Parecem zumbis, que apenas repetem fraseologias e ditos mágicos, de preferência em caixa alta, sem temer colocar todo o seu preconceito e seu ódio incontido para fora, pregando não apenas golpe militar, mas assassinatos em massa de qualquer coisa que lhes pareça com o petismo e com a esquerda em geral. Para eles, absolutamente tudo está ligado aos "petralhas" -- e essa ligação sistemática inabalável é um forte índice de paranoia coletiva protofascista. É uma lógica muito parecida com a do bode expiatório judeu e a subversão comunista. Imaginam que só uma intervenção militar sanguinária bastaria, sem reflexão alguma, sem medir as consequências desse ato, as revoltas que se seguiriam etc. Absolutamente tudo é culpa do PT. Quando você percebe que é isso que está em jogo
O estarrecedor é perceber que a grande mídia direitista (Veja, Estadão entre outros) não é mais do que uma versão mais elaborada da mesma reificação.
Duvido que isso, essa regressão, ocorria nos anos de guerra fria e de lacerdismo, nos 1950 e 60. É algo para se pesquisar.

Bob Klausen 

Legenda para uma foto




"Meritocracia: aqueles meninos no escorregador trabalharam muito no passado e agora podem brincar. O outro, preguiçoso, não fez nada e agora é forçado pela justíssima e poderosa mão invisível". (Thiago Lion)





Meritocracia no Brasil: um novo grande mal entendido

Segundo a fórmula célebre de Sérgio Buarque de Hollanda, no Brasil a "democracia sempre foi um grande mal entendido". O mesmo poderia ser dito sobre a ideia de "meritocracia" no país. 

Na verdade, há algo de profundamente autoritário na ideia de meritocracia em geral, que é multiplicada por dez no Brasil patriarcal, autoritário, da gente proprietária. Como se sabe "cracia" é poder: o poder de uns sobre outros, que na democracia sai relativizado como o poder da maioria, ou como a capacidade de discussão e decisão coletiva entre iguais, para além do poder econômico de cada um.

Na meritocracia o poder está com o sujeito econômico de destaque. Ela corresponde diretamente, enquanto ideologia, à forma cega e fetichista do valor. Mas quem define o que é mérito aqui? O mercado, a concorrência, as leis do darwinismo social, e, no Brasil, em especial, a cadeia de privilégios sociais dinásticos, o racismo velado e principalmente a lógica do favor e a regra personalista.

País de meritocratas sem mérito, pior, de escravos historicamente defendendo a própria cela meritocrática, sempre prestes a rebaixá-los a um mero pedaço de natureza "inepta" e "preguiçosa".

Bob Klausen

11 novembro, 2014

"O Brasil vai virar Cuba! - e tudo mais que o fascismo quiser

Não, o neoliberalismo não faliu em 2008. Ele é a substância da ideologia mundial do capitalismo globalizado. Não é preciso defender o modelo cubano nem em partes, muito menos integralmente para perceber que frases como "O Brasil está virando outra Venezuela ou outra Cuba" são ignorância e despreparo intelectual no mais alto grau. Quem diz isso simplesmente desconhece que a economia atual é feita de monopólios privados, e que mesmo as empresas estatais funcionam sob a lógica do lucro.

É bem mais simples que isso, no entanto: quem pensa que o Brasil virará socialista em breve desconhece que o neoliberalismo tem a hegemonia ideológica total sobre a sociedade, os meios de comunicação e a consciência. Um atestado de burrice política: é desconhecer que a economia capitalista não tem mais volta e ruirá, se um dia ruir, por suas próprias contradições internas.


O neoliberalismo não morre mais -- ao menos enquanto o sistema capitalista existir --, pois ele brota do cerne da forma do valor, que é também a protoforma da consciência reificada. Basta a ideologia para sustentar o sistema, mas a ideologia se fundiu à base produtiva (Adorno), e é uma coisa só com o sistema global. 

Como células isoladas de dispêndio de trabalho abstrato e consumo, os indivíduos desta sociedade provavelmente nunca abandonarão seu modo de vida produtivista e consumista e jamais pensarão que um modelo como o cubano, que garante a mínima igualdade de condições básicas (apesar do autoritarismo e da concentração do poder), pode ser um feixe de luz de experiências acumuladas num contexto de escassez de recursos naturais e de pós-escassez de bens fundamentais, numa eventual economia pós-capitalista.

AUm dos índices mais fortes de protofascismo provavelmente é essa nuvem de mentiras, boatos, acusações falsas e enganações descaradas que ficam impunes na mídia e na opinião pública. No novo clima de macarthismo em que estamos, nada passa de ideologia em estado bruto, de preferência cristalizada em memes de facebook. 

O fascismo em tudo isso? Está pressuposto nessa lógica do poder de dobrar, violentar e inverter tudo, metarmofosear todo conteúdo para um fim autoritário e falso. Como dizia Guy Debord: na sociedade do espetáculo o verdadeiro é um momento do que é falso.
Bob Klausen 

A imprensa a favor da privatização da Universidade Pública

Está aí a notícia do elitismo desavergonhado: "Folha de S. Paulo volta a defender cobrança de mensalidade na USP". (http://spressosp.com.br/2014/11/08/folha-de-s-paulo-volta-defender-cobranca-de-mensalidade-na-usp/)

No Tucanistão os serviços básicos como água, saúde e educação serão sucateados e praticamente privatizados ou de acesso individual conforme a renda. É um projeto de poder. Tem gente que aplaude. Tem gente que sai na rua em defesa desse governo.

Seu esporte é colocar a culpa no governo federal, ou no PT, mesmo desconhecendo as mediações históricas e econômicas do processo social. Passam no vestibular, são ótimos nas exatas, mas desprezam profundamente a dimensão histórica e sociológica dos problemas.

Mas eu não diria que são ingênuos. Por trás disso há uma espécie de vontade de ser elite, de duplo preço a ser pago para ser top. Um elitismo anticaipira quatrocentão, também localista e "acaipirado" ao seu modo, avesso aos direitos sociais fundamentais e a toda noção de igualdade de fato ou até de condições, que quer excluir definitivamente as camadas médias e pobres dos cursos visados pelas elites. Cursos que, aliás, é o mercado quem escolhe por elas, e gera sofrimentos imensos em seus alunos pela falta de sentido em todo o percurso universitário (sem verdadeira universalidade).

O que pensar? Para nós, talvez, mais um caso gritante de masoquismo histórico. Mas tudo bem, para a classe média em geral nunca se tratou de outra coisa: o que importa não é ser pisado e eventualmente esmagado pela concorrência, mas pisar em alguém, com alguma honra ao "mérito". Continuarão fiéis ao governador e a seu partido. Pois em São Paulo a hegemonia deles se tornou quase total. 
Bob Klausen

Sobre Luís Nassif: O Xadrez da batalha do impeachment

Um bom texto de Luis Nassif (http://jornalggn.com.br/noticia/o-xadrez-do-jogo-do-impeachment-por-luis-nassif) de sociologia do poder e da mídia, com uma forte pitada de "futurologia" para os próximos dois anos.

Sinta o buraco ou o campo efetivo das lutas, que é mais embaixo ou mais amplo do que aquele jargão velho de guerra sobre as massas, as multidões ou "as ruas", que sempre foram um mero peão marginal dentro do campo de batalha entre elites, a mídia, a classe média e seus gestores. Em suma, as grandes peças do xadrez político nacional ainda são as forças reificadas nas altas esferas.

Porém, o sujeito que tem pouco peso nessa análise é o o capital, em processo de crise, a economia real entre inflação, ajustes de preços e concorrência global. Vai ser quase impossível governar à esquerda nesse momento, confirmando a paralisia da política.

Por outro lado, ainda, vai ser difícil para a mídia conciliar o seu denuncismo moral com falta de verbas publicitárias por parte de governos e empresas. No fundo, tudo vai depender do que sair de fato concreto da operação Lava a Jato. E parece que vai ser pouco, pois os partidos fizeram o famoso "acordão" para não jogar merda no ventilador coletivo.

Bob Klausen

02 novembro, 2014

A espuma, a onda e o mar conservador brasileiro (e mundial)


A tese da onda conservadora precisa ser criticada, mediada e superada. A dialética permite ver a mediação dos opostos dentro da práxis do que poderíamos denominar "homo economicus liberal": o mesmo no outro, o outro no mesmo, principalmente em países de modernização conservadora como o Brasil. 

1- 
As manifestações de hoje -- FORA PT - Impeachment - Intervenção militar -- foram minguadas, principalmente as de fora da capital reacionária maior, São Paulo. Mas, para eles, colocar 3 mil na avenida Paulista foi um verdadeiro sucesso. Inacreditável a dois anos atrás.

Estão comemorando loucamente pois nem eles creem que foram capazes de suspender seu individualismo de massa ordeira e passiva e gerar alguma coisa coletiva e (re)ativa. Disseram ser 35 mil nas ruas hoje. No Brasil, 125 mil, outros dizem 300 mil (!). Gostaram da coisa. Botam fotos de manifestações de junho como se fossem de hoje; a praga mitomaníaca os leva longe no delírio.

A mídia golpista que os alimenta (globo, veja, estadão, band) praticamente os desprezou, pois sua bandeira é demais agressiva, demais explícita neste momento. Mas servirão como um bom ensaio do que pode advir na sequência com o possível processo de impeachment.

Doravante, se provas forem urdidas, ela poderá destravar a língua e incitar a massa abertamente ao "fora PT" mundial. Numa imagem aproximada, os reacionários de extrema-direita foram hoje uma espécie de "gasolina incendiada" sobre o mar de óleo conservador da direita. Falta pouco para esse mar oleoso pegar fogo. Basta a chama -- e o chamamento --- da grande imprensa para atiçar o fogo do ódio e destruir tudo: não só o PT, mas desmoralizar e escorraçar a esquerda em geral para as catacumbas sociais. Combustível reforçado ainda mais por outros pontos de incêndio, assim que vierem os aumentos da energia (combustíveis e eletricidade).

Nessa hipótese, a esquerda não-petista pode se preparar de duas formas: enfrentar as manifestações mais brutas do fascismo e da direita nas ruas, distinguindo-se do governismo, e de maneira organizada, com apoio de bases ampliadas das classes espoliadas. O segundo ponto é o mais decisivo, porém: o ataque tem de ser dirigido menos ao céu da política do que ao chão da economia/ecologia política. A crise hídrica será o estopim desse confronto. Como em Junho foi o transporte público.

2- 

Mas, sem precipitações: não há fascismo algum nas ruas. Paremos diante desta obviedade. Esses setores de extrema direita são a minoria da minoria da sociedade. Deram vexame ontem e serão logo esquecidos nos submundos da internet, donde tramarão pela milésima vez seu golpe militar imaginário.

Analistas de esquerda do mainstream estarão hoje desprezando tais fenômenos micrológicos residuais, decantados e refinados a partir de tendências sociais profundas, como sendo mera superfície social.

Ora, não foi exatamente pela intervenção militar ou o separatismo (apenas a minoria folclórica sem noção radicalizou desse jeito), mas pelo "fora PT" que eles saíram às ruas.  Nesse sentido são sim representativos de algo muito maior. Basta ver os cartazes. Ecoam uma enorme insatisfação com o PT, o enorme desgaste da política, a vontade de poder do homem ressentido e das elites da casa grande contra as pautas populares e da esquerda, e coisas desse tipo.

Em termos nacionais, tais microfascismos e reacionarismos foram representados por bolsonaro e os nanicos Fidelix e Everaldo. Mas é bom lembrar: votaram fervorosamente em Aéreo e cogitaram até mesmo em Marinar. Suas bandeiras principais ontem eram as da revista Veja, ecoando o ódio moralista histórico da UDN: "Dilma sabia de tudo", "fora petralhas", "fraudes nas urnas" e "impeachment". Reinaldo Azevedo, no blog da revista do chrorume semanal, defendeu o golpismo do impeachment e o fora pt, mas disse que eles foram distorcidos pela mídia . Mas de fato, no palanque o filho de Bolsonaro, Lobão, Coronel Telhada e Paulo Martins vociferaram suas sandices golpistas. Eduardo Bolsonaro se superou: “Ele [seu pai] teria fuzilado Dilma Rousseff se fosse candidato esse ano. Ele tem vontade de ser candidato mesmo que tenha de mudar de partido”. E emendou: “Dizia na minha campanha: voto no Marcola, mas não em Dilma. Pelo menos ele tem palavra”.   

Nesses termos, parecem todos eles no momento muito mais parte de um microfenômeno imaginário e ideológico do que prático e concreto. Isto é, são irracionais e inconsequentes do ponto de vista imediato.

Mas e a esquerda e a extrema esquerda? São outra minoria, embora organizada e politicamente orientada por uma estratégia mínima comum. Mas é, sim, outro fenômeno muito mais imaginário, teórico-ideológico do que prático, queiramos ou não, sem larga base social ampla. Em alguns setores, a "ideologia do movimento" confina com simples ilusões de grêmio estudantil.

Estes setores de ultradireita são a espuma de uma onda conservadora de classe média dentro de um mar conservador nacional, que eu diria de dimensões mundiais. Não se ganha nada em diagnosticar que são mera miragem, e que juntos os venceremos. Aliás, contra Alckimin e a crise hídrica em São Paulo, no mesmo dia, tivemos 150 pessoas. Está aí o resultado das eleições na Europa, e está aqui o nosso congresso e os governadores de centro-direita. Está aí, sintomaticamente, sob o ataque especulativo midiático e financeiro, a direitização esperada de Dilma logo na primeira semana após as eleições. Não há mar conservador? Falta dialética nessa miopia teórica: a capacidade de ver além do imediato, segundo a lógica do tempo, a mediação de opostos, e sobretudo a reversão do outro no mesmo, típica de nossa modernização conservadora.

Vi jovens imaturos. Politicamente desorganizados e inconsequentes nas ruas. Mas não vi só jovens, não. Vi setores simpáticos à extrema direita, de meia idade e saudosos do regime de 64. Mas vi também setores da classe média antipetistas ferrenhos, esses que se declararam de maneira agressiva e virulenta nas redes quando Dilma venceu. É um rastilho de pólvora, ou a gasolina incendiada dentro do tonel de óleo cru. Pode incendiar os Jardins e os bairros de classe média como em Junho. Basta o comando dos meios midiáticos golpistas, como foi com Collor. São assim um germe de outra coisa, que não será evidentemente a radicalização à extrema-direita, ao golpismo de 64. O capital não precisa disso por enquanto.

Mas vi aí o ensaio para uma possível campanha pelo impeachment, se provas forem urdidas ou forjadas, em que estará posto a completa hegemonia da direita no país. No entanto, segundo corre nos bastidores, essa campanha levaria vários políticos e partidos, inclusive da oposição, ao mar de lama conjunta da direita e do estado burguês, colocando a legitimidade do governo da República em xeque.

E com todas as suas consequências - desastrosas em termos de reconstrução da política a partir de uma nação alienada, em frangalhos, isto é, alijada de bases teóricas críticas e da práxis política enraizada. Está aí a Ucrânia como exemplo: uma massa nacionalista, liberal-individualista unida a uma extrema direita neonazista clamando por se integrar no matadouro da União Europeia com autonomia nacional. Está aí a nova direita populista europeia (ver sobre isso o dossiê esquerda.net: http://www.esquerda.net/topics/dossier-221-nova-direita-populista-europeia). Esta aí a Venezuela dividida entre elites neoliberais, a massa popular e um governo social-populista muito frágil, está aí a Grécia patinando entre esquerda e direita neonacionalista, ou o republicanismo americano, e muitos outros países recentes, como exemplos. Do quê?

Exemplos de frutos maduros de um homo economicus liberal sem raízes ou que perdeu suas raízes na globalização, que se inverte à direita e espuma na costa como fenômenos coligados a tendências de protofascismo. O protofascismo é a tendência maior neste mar. E tendência a não se desenvolver por completo. Tendência à fragmentação de manifestações parecidas com as fascistas. O fascismo pode não desabrochar nunca mais. E de fato creio que será o caso. Basta legitimar um Estado autoritário, penal-carcerário, que impeça toda transformação social, principalmente nos tempos de crise e urgência que se seguirão. 

É isso que os analistas ainda não perceberam em casos como estes: não o liberalismo se subordinando a um conservadorismo de direita, que seria externo a ele, mas o liberalismo se transformando no que ele sempre traz em germe: o conservadorismo. Em suma, o individualismo esclarecido do homem-tempo-trabalho-dinheiro liberal revertendo-se em seu contrário: obscurantismo, elitismo, machismo, racismo, autoritarismo, fascismo.