09 março, 2014

A greve dos garis no Rio: são as lutas de março fechando o verão sangrento com vitória

Cláudio R. Duarte
 
 
"Que mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi legado na Terra (...). Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente conseguirão dizer se sua luz era de uma vela ou a de um sol resplandecente." (Hannah Arendt)
 
"Toda vez que alguém falar que vivemos uma democracia racial, mostre essa foto"
(Garis em greve no centro do Rio de Janeiro - Foto: Mídia Ninja)
 
Durante essa semana de carnaval, os garis do Rio de Janeiro, após uma longa jornada de lutas difíceis sob a coação da prefeitura (apelando até mesmo para o uso vergonhoso de milicianos como novos capitães do mato) e da grande mídia, deram uma grande lição para as esquerdas neófitas na rua e para as velhas lideranças sindicais pelegas, totalmente arcaicas, alienadas e comprometidas apenas com o seu próprio umbigo.

Na boa análise de Idelber Avelar:

"Eles enfrentaram: um sindicato pelego, um prefeito truculento, uma das polícias que mais mata no mundo, o maior império de comunicação da América do Sul (que hoje dedicou três páginas inteiras de seu jornal a desqualificar a greve e puxar saco do prefeito) e as tradicionais milícias governistas, que disseminaram mentiras de todo tipo, como a de que a greve era ação de uma minoria de 300 pessoas.
...
E venceram! Obrigado, garis do Rio de Janeiro, por ensinar de novo o mapa da luta! Pelegos em todo o Brasil estão, neste momento, tremendo, porque sabem a enormidade do precedente que se abriu nesta semana. Notem que a derrota do governo foi tão retumbante que a reunião que selou a vitória dos garis aconteceu no TRT. Paes jamais os recebeu.

Que aqueles que desqualificaram luta tão justa se recolham agora à sua vergonha. E vem mais por aí!"


Gostaria ainda de somar a esta bela análise de Avelar a questão da força "ética" e "política" do trabalho proletário dos garis. Sim, o trabalho proletário - pois é disso mesmo que se trata e que infelizmente quase não ousa mais dizer o seu nome. Como sempre foi, esse trabalho é o inferno do negativo, e que se colocou de novo como negação em praça pública. Não se trata de moral privada, nem de amor a uma tarefa alienada, muito menos da vocação protestante para "servir". E com esse elemento decisivo que entra em jogo e que a esquerda tem esquecido. Trata-se do plano da ética, pois todos que os apoiaram sabem ou intuem muito bem o que se trata: uma luta autônoma, madura, independente. Segundo ponto: um trabalho público, necessário, árduo, sujeito à total invisibilidade e a condições e salários vis; enfim, terceiro ponto, um movimento vindo de gente "humilde", de baixo, que soube se articular contra o peleguismo. E venceu a sua vitória apertada, jamais redentora. Antes que os amigos kurzianos reclamem, diga-se que não é de modo algum a emancipação do mercado e do trabalho, mas uma ruptura intempestiva do continuum de servidão e coisificação. Algo que lembra a "Grande Recusa" marcuseana.

 

A emancipação social pressupõe essa formação, que o sistema existente suprime. E assim o faz começando pela supressão da memória social. Para nós, deve ela ficar na lembrança, tal como o MPL em junho e o enquadramento policial arbitrário de fevereiro passado.

 
Em tempos sombrios, à teoria que se perdeu, ou foi suprimida, só resta mergulhar na práxis alienada, negativa, escura. É lá que está a fonte da negatividade, é de lá que pode emergir em ato a negação determinada.
 
(Março de 2014)


 

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