O CAPITALISMO GLOBALIZADO E AS SUAS CRISES ESTRUTURAIS
Cláudio R. Duarte
O fim da história: a
derrota do socialismo real, o triunfo do capitalismo global
Após o fim do socialismo real na
Europa oriental e na URSS (1989-1991), o filósofo estadunidense Francis
Fukuyama argumentou que a História tal como entendida até ali havia simplesmente
terminado (no livro famoso desde então: “O Fim da História e o Último Homem”).
Seguindo os passos da filosofia idealista de Kant e Hegel, ele dizia que o
capitalismo liberal havia finalmente derrotado os seus inimigos históricos nos
campos da economia, da política, da sociedade e da cultura. A partir desse “fim
da história” haveria um único caminho a
ser trilhado: a rota de acumulação infinita de capital, que prometeria gerar a paz,
a harmonia, o progresso e a prosperidade social mundial, por meio do livre
mercado, da competição, do avanço tecnológico e da democracia liberal
ocidental.
De fato, o capitalismo – como sistema mundial produtor de mercadorias visando ao lucro – talvez seja imbatível. Nenhum sistema social conseguiu produzir tanta riqueza em tão pouco tempo, dinamizando e entrelaçando as diversas nações num mundo unificado.
O novo “capitalismo real”
na região ex-socialista do Leste europeu
O difícil é manter a expansão dessa
integração pelo mercado. Pois o que se seguiu no Leste europeu e na ex-URSS não
foi exatamente essa tão sonhada prosperidade. A abertura para o livre mercado e
a concorrência – já plenamente mundializados naquele momento –, gerou uma onda
de novas “modernizações retardatárias” e de acumulação primitiva de capital
(semelhante aos “cercamentos” ingleses do início do capitalismo), baseadas em
privatizações selvagens e no reforço da dependência e do endividamento externo dos
países (em processos semelhantes ao dos países latino-americanos), que
agravaram a concentração do capital e da renda, aprofundando o desemprego, a
violência e a criminalidade (a Rússia hoje tem uma população carcerária de 700 mil
presos).
Hoje, no momento em que alguns
consideram a Rússia um país “emergente”, o que há de fato é a franca
desindustrialização e a perda do poder aquisitivo das massas, apenas sustentado
através de crédito internacional, com a conversão dessa imensa região, na
Divisão Internacional do Trabalho, numa área
satélite da Europa Ocidental, com a função de lhe fornecer petróleo e gás (junto
com os países da Ásia centro-norte: Cazaquistão, Turcomenistão etc.) e alguns
bens industriais, restritos ao setor militar e aeroespacial (aviação e
armamentos). O que o novo “capitalismo real” russo gerou foi o aumento dos
lucros privados de uma certa elite política e empresarial (na verdade, como
denunciam os críticos, quase uma quadrilha de gângsters provindos dos antigos “Partidos Comunistas”), dependente
e associada ao capital multinacional da Europa ocidental e do resto do mundo. A
democracia também tem falhado na medida em que não há mais nenhum plano
social para as grandes maiorias (como na época do já saudoso, para alguns,
“socialismo real”), mas tão-somente o “vale-tudo” da concorrência acirrada e da
pilhagem do patrimônio público-estatal, através das grandes privatizações e da
conversão da política num simples meio instrumental de administrar as crises
econômicas e sociais. De forma semelhante, entre os países da Europa oriental,
houve a real integração à União Europeia apenas das áreas mais ricas, dinâmicas
ou com maior potencialidade capitalista (Eslovênia, Polônia, Hungria e Rep.
Tcheca), beneficiando praticamente só os setores das classes médias mais bem educadas,
enquanto os países mais pobres se tornam periferias de trabalho mais barato e de
recursos naturais abundantes (Romênia, Bulgária, Eslováquia, Países Bálticos).
Isso sem falar na desintegração da antiga Iugoslávia (1991-1998-2006) numa
guerra étnico-religiosa sangrenta (bósnios muçulmanos x sérvios cristãos
ortodoxos x croatas católicos) que matou mais de 200 mil e gerou cerca de 2,5
milhões de refugiados, em que se escondem motivos econômicos latentes (separatismo
das regiões mais urbano-industriais da Eslovênia e Croácia x regiões
agroindustriais e atrasadas da Sérvia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina). O
Leste europeu como um todo ameaça se tornar uma fonte de instabilidade e de
emigração de população para a Europa ocidental.
O programa modernizador do
“socialismo” chinês – ou o capitalismo de Estado ditatorial
Esse fim do socialismo real foi há
muito previsto e antecipado pela China de Deng Xiaoping, quando da criação da
“política de portas abertas” (a partir de 1978-80), com a descoletivização do
trabalho agrícola, privatizações e a abertura das ZEEs (Zonas Econômicas
Especiais) na orla do Pacífico, oferecendo ao capital multinacional vantagens inéditas
em termos de lucratividade. Só na aparência, ou antes, só na cúpula política
burocrática, a China é ainda um país “socialista”. Trata-se antes de um “capitalismo
de Estado”, isto é, um capitalismo
ditatorialmente dirigido, baseado numa política pragmática e agressiva de
aceleração do crescimento a qualquer custo (depredação da natureza e altas taxas
de exploração dos trabalhadores). O “fim da história”, aqui, se tornou o eterno
pesadelo do trabalho barato estendido de sol a sol, com altíssimos níveis de
poluição e destruição ambiental. Na realidade, a força do “Dragão Asiático” assenta-se
nesse Estado ditatorial, capaz de contrabalançar o seu atraso histórico e a sua
fraqueza de capital (tecnologia e infraestrutura social e produtiva) por meio dos
planos quinquenais, do protecionismo e da dominação brutal dos trabalhadores, o
que vêm resultando em fortes taxas de crescimento do PIB (de 8 a 15% ao ano).
A força
chinesa, no fundo, revela-se como o fruto de uma fraqueza do desenvolvimento social mais amplo – vale dizer,
assenta-se na concorrência predatória e canibal, isto é, autoimolação de sua população
no altar da acumulação de capital. Pois a única forma de “integrar” uma massa
gigantesca de pessoas pobres como trabalhadores na economia capitalista
globalizada (exigente de elevados níveis de produtividade técnico-científica) é
essa forma ditatorial altamente exploradora do trabalho barato e ambientalmente
suicida – além do mais, baseada na dependência do capital e da tecnologia
estrangeiros (americanos, europeus etc.). O que deveria nos fazer desconfiar do
seu real poder político e econômico, ou pelo menos de sua estabilidade a longo
prazo. David Harvey chama-nos a atenção para os gigantescos investimentos em infraestrutura social e produtiva: eles não podem ser pagos senão gerando dívidas de longo prazo (e sabemos como estas devem ser maquiadas pela burocracia chinesa), o que pressupõe a manutenção do ritmo de exportações - caso contrário, teremos mais um megafoco de especulação e colapso financeiro no mundo! E de fato, a produtividade chinesa só se compara à produtividade ocidental nas condições já nomeadas: se houvesse um maior rigor nas leis ambientais, uma maior regulação
e limitação da exploração do trabalho (direitos humanos etc.) e uma maior
abertura do país à concorrência mundial (o protecionismo chinês está entre os maiores
do mundo, ao lado de Argentina, Rússia e
EUA), a China perderia um tanto de seus atrativos de lucratividade (e de fato,
hoje, uma parte da indústria vai se deslocando inclusive para países ainda mais
“atrativos” e “baratos”, como Bangladesh e Vietnã). A China tem de viver então da
saúde de suas exportações, pois não consegue ainda criar uma massa salarial e
um mercado interno autônomo para absorver a maior parte de sua própria produção
(algo parecido se dá entre os Tigres Asiáticos).
As modernizações
dependentes/endividadas e superficiais/restritas da periferia
No
mesmo sentido, o que ocorreu na periferia subdesenvolvida do mundo globalizado até
agora também não foi nenhum promissor “fim da história” das antigas feridas
coloniais e neocoloniais. O que se deu aqui foi, sim, um aumento exponencial do comércio e da riqueza regional
e dos níveis de vida de setores das pequenas classes médias, consolidando o
poder das grandes corporações nacionais e multinacionais, principalmente após a
ascensão quase milagrosa de alguns poucos “países emergentes” (Brasil, México,
Argentina, Índia, Turquia, África do Sul, Tigres Asiáticos). Eis um fenômeno em
geral mal analisado, em que sempre há uma parte de realidade e uma outra de propaganda
ideológica ou de pura e simples aparência, principalmente quando levamos em
conta a sua forte tendência econômica primário-exportadora
ou ligada a produtos manufaturados de baixa ou média tecnologia e de menor
valor agregado (com notáveis exceções para a Coreia do Sul e a Índia), mantendo
fortes níveis de pobreza e miséria, sem falar no autoritarismo político. Uma
participação econômica ainda bastante endividada, dependente e subordinada aos
grandes capitais multinacionais e às políticas dos Estados centrais e
organismos de controle econômico e financeiro mundial (FMI, Banco Mundial,
OMC, G-8).
A globalização como
realidade e como ilusão
É de se notar portanto que os grandes
fluxos comerciais mundiais concentram-se no eixo América do Norte – Europa –
China/Japão/Tigres Asiáticos. (Vide o mapa dos fluxos em 2006.)
A tão elogiada e mistificada
globalização resulta, assim, no desemprego
tecnológico ou estrutural de massas (cerca de 7% da população economicamente
ativa mundial, ou 204 milhões de desempregados “oficialmente previstos” para
2013, pela OIT), além da na exclusão e da marginalização de regiões e
continentes quase inteiros.
Pois
se contarmos ainda o número de trabalhadores subempregados, informais e precarizados
no mundo, segundo dados da OCDE, teremos mais da metade da população economicamente
ativa mundial, cerca de 1,8 bilhão de trabalhadores! (para um total da PEA em
torno de 3 bilhões). Assim, pode-se raciocinar que cerca de 2/3 da PEA mundial
são quase praticamente supérfluos ou subprodutivos para o capitalismo global,
turbinado pela 3ª Revolução Industrial, ou só se tornam “úteis” quando rebaixados
ao subemprego e ao desemprego (que ajuda a rebaixar os salários em geral). Subentende-se,
então, que a riqueza acumulada nas mãos das grandes corporações e Estados só
pôde ser gerada sob este preço dolorosíssimo, pago pelas multidões radicalmente
expropriadas e empobrecidas. Elas pagam com as suas vidas, com horas e mais
horas de trabalho precário, e os seus recursos, que há muito foram monopolizados
pelo capital. A OIT estima ainda que, em 2010, 397 milhões de trabalhadores
viviam em situação de pobreza extrema (menos de US$ 1,25 por dia), enquanto
outros 472 milhões não podiam satisfazer suas necessidades básicas com
regularidade (renda entre US$ 1,25 e US$ 2 por dia).
Obviamente, há muitos pobres que, não
sendo miseráveis, vivem fora dos slums.
Mas os pobres urbanos já são, segundo Mike Davis, a metade da população urbana
mundial. Lembrando que esses números são “oficiais”, e como tais sujeitos à
“maquiagem” feita pelos governos.
Contraditoriamente, assim, o incremento
da riqueza mundial proporcionado pelas novas tecnologias da 2ª e da 3ª
revoluções industriais, a partir dos anos 1950, se realizou a custa do grande
aumento das desigualdades sociais em várias regiões – pois estas se revelam “supérfluas”
ou “incapazes” de concorrer e acompanhar o nível tecnológico altíssimo imposto
pela produtividade dessas novas tecnologias –, seguido por uma série de novos
problemas e conflitos sociais em escala local ou regional (epidemias, fomes e guerras
civis na África, guerrilhas urbanas e rurais na América Latina e na Ásia, violência
urbana generalizada, tráfico internacional de drogas e armamentos, terrorismo,
ondas racistas e neonazistas na Europa, guerras do Golfo, do Iraque e do
Afeganistão etc.). É assim que a globalização se torna também a globalização do
caos social. E que precisa ser “administrado” por um Estado de Exceção para não
arrebentar.
Globalização e Estado de
Exceção
O capitalismo triunfante, após o fim
da Guerra Fria, é um sucesso – ao menos para as minorias “vencedoras” na
concorrência global. Isso sem falar no agravamento dos impactos sobre a
natureza e sobre a vida dos trabalhadores “incluídos” no sistema produtivo,
hoje cada vez mais intensamente espoliados, alienados e socialmente
precarizados – como produto das políticas neoliberais de flexibilização,
terceirização e cortes nos gastos sociais. Algo que já atinge, inclusive, o
mundo dito “desenvolvido”, através da queda substancial nos salários e no desmonte
do chamado Welfare State ou Estado de
Bem-Estar social. Assim, no lugar desse Estado e da política democrática, o que
assistimos é a consolidação de um Estado
de Exceção normativo (ou um estado de emergência) no mundo todo, que
administra as crises baseado em medidas provisórias e decretos do Executivo,
que tendem a suspender e a ultrapassar muitas vezes o direito constitucional e
a regulação democrática, no limite, agindo contra as próprias resoluções da ONU
e de outros organismos humanitários internacionais (como no caso da “guerra
preventiva” contra o Iraque ou os “esquadrões da morte” e o “Caveirão” nas
favelas do Rio de Janeiro). Um Estado que se torna, conforme propõe Paulo
Arantes, cada vez mais um estado penal e carcerário, já que o caos, a
miséria e a violência parecem não ter mais nenhum fim à vista (2,2 milhões de
presos no EUA, 1,6 milhão na China, 700 mil na Rússia, 550 mil no Brasil).
Nessas condições opressivas, as
regiões periféricas só não são excluídas e cortadas de vez da reprodução
capitalista mundial porque tendem a se especializar nos setores em que ainda
podem oferecer “vantagens comparativas” ou certos “atrativos”: a) mão de obra
barata, com jornadas extensas, dócil, flexível, precarizada e não-sindicalizada
(principalmente mulheres e jovens), quando não semi-escrava; b) muitos solos
tropicais, minérios, petróleo e fontes de energia barata; c) taxas de juros
atrativas e incentivos fiscais (ou paraísos fiscais da lavagem de dinheiro
ilegal); d) legislação ambiental frágil; e) privatizações neoliberais de patrimônios
públicos ou patenteamento da fauna, flora e conhecimentos e invenções locais.
No entanto, tais condições histórico-sociais
negativas há muito aparecem como “coisas naturais” na opinião pública dominante,
que já não chocam mais ninguém, sendo neutralizadas ideologicamente por serem
“o que resta” a ser e a fazer no contexto desse mundo de concorrência total.
“There’s no alternative”, como dizia a Primeira Ministra britânica, Margareth Thatcher,
no início da era de desregulamentação neoliberal.
As crises atingem também
o Centro
Mas hoje, enfim, o próprio centro geoeconômico
e geopolítico do sistema – EUA, União Europeia e Japão – está imerso em graves
processos de crise econômica, política e social, que lembram muito os processos
de crise e desintegração econômico-social há muito conhecidos na periferia e na
semi-periferia do sistema – levando ao “colapso da modernização” mundial, como
previu Robert Kurz desde o fim dos anos 1980. Veja-se o gráfico da Bolsa de Nova Iorque entre 1900-2008 (Fonte: Le monde diplomatique).
Na verdade, desde pelo menos o início
dos anos 1970 – crise fiscal dos Estados Unidos, choques internacionais do
preço do petróleo (1973-79), estagflação galopante –, vêm se sucedendo crises internacionais
cada vez mais frequentes em curtos espaços de tempo: a longa crise da dívida
externa latino-americana dos anos 80 e 90 (México, Brasil e Argentina), a crise
japonesa do início dos anos 90, a crise do sudeste asiático de 1997-98, a fuga
de capitais da Rússia (1998), do Brasil (1999), da Argentina (2001-2), a crise
da New Economy dos EUA (bolsa Nasdaq
de alta tecnologia) de 2001-2, a crise imobiliária e financeira dos EUA de 2007-2010
e a crise europeia das dívidas de 2009-2013. Abalos recorrentes que produziram queimas
bilionárias de capitais, fortes níveis de desemprego e subemprego, novos endividamentos
estatais e estagnação econômica, estas últimas crises principalmente nos EUA e
na Europa.
O que há então de errado com o Capital,
o campeão olímpico dessa Ilíada moderna? Como já dito, para os Estados, as firmas
e as classes vencedoras da competição mundial, talvez, nada há de errado. Mas todos
reconhecem que a economia já não cresce como nos períodos áureos do fordismo e
do Welfare State (os “30 anos
gloriosos”, os “anos dourados do capitalismo”, em que o capitalismo pareceu ter
se “civilizado”, entre mais ou menos 1945-73).
Isto acontece basicamente porque os
lucros produtivos, na esfera da economia real (que tem de empregar trabalho e
recursos naturais), são cada vez mais arriscados e difíceis de serem realizados,
pois os mercados estão saturados e há muitos novos concorrentes
agressivos (China, Índia, Coreia do Sul, Brasil etc.). Por isso, os lucros
tendem a decrescer nos países e regiões de mercado saturado e de salário mais
alto. Os EUA perde assim sua hegemonia econômica, com déficits enormes na
balança comercial, falta de poupança interna e endividamento geral (famílias,
empresas e Estado).
A saída para o reinvestimento dos
superlucros excedentes (D-M-D*-M-D**...) tende a ser basicamente dois:
a)
Esfera produtiva: a migração do capital (americano, europeu etc.) para o
Sul e a periferia subdesenvolvida (com as suas vantagens destrutivas do trabalho
e da natureza); ou a flexibilização, precarização e rebaixamento dos salários
internos, com a intensificação da exploração dos trabalhadores nos próprios
países centrais, mediante novas tecnologias e processos de gestão ainda mais
produtivos e poupadores de força de trabalho. Incluem-se aqui, ainda, as
práticas destruidoras da obsolescência planejada e perceptiva, que reduzem a
vida útil dos produtos e fomentam um novo consumo, bem como as guerras
preventivas (como as do Iraque e Afeganistão) e todo o setor da indústria
cultural (que cria necessidades “supérfluas” e associa marcas a estilos de vida
e distinção social).
b)
Esfera financeira e especulativa:
o crédito (para fomentar uma demanda fraca ou inexistente) e a especulação com
ações, imóveis e títulos diversos (inclusive de dívidas alheias) – uma fuga maciça
de dinheiro excedente para os mercados financeiros e especulativos, que criam
um monstruoso “capital fictício” (com a cifra mágica de US$ 600 trilhões), que
ajuda o capitalismo em crise a se mover para frente e fazem-no se transformar
numa espécie de grande “cassino global”.
Um ensaio de explicação
geral das novas crises estruturais
Por que tantas crises, então, se tudo
parece tão avançado, promissor, controlado pela tecnologia, e tudo tão rico,
confortável e luxuoso? Ocorre que a maneira como esse sistema fetichista e
alienado funciona – por meio de “relações
coisificadas entre as pessoas ou relações sociais entre as coisas”
produzidas, como mostrou Marx – quase que totalmente impede o controle social
de maneira consciente e racional sobre a produção, visando ao atendimento das
verdadeiras necessidades humanas e ecológicas das pessoas. É por isso que,
impulsionando-se cegamente para a frente, através da interação de inúmeros
agentes particulares independentes, que apenas perseguem o seu interesse
pessoal de poder e lucro, o sistema produz tantas crises, e também tantas
realidades contraditórias: promessas reais de riqueza, cultura, segurança,
conforto, educação e avanço tecnológico em meio a um mar de insegurança,
precarização, fome, miséria, violência, barbárie e destruição ambiental.
Não é realmente muito fácil
compreender as crises atuais, pois há muitas variáveis sociais em jogo, muitas
diferenças nacionais e regionais a serem levadas em conta. Como explica o
geógrafo David Harvey (O enigma do
capital e as crises do capitalismo), regiões em franco crescimento e ascensão
contrastam com regiões em recessão e exclusão; estratégias políticas se
degladiam, novos produtos e tecnologias são criados todos os dias, prometendo
novos mercados, e assim por diante. Contudo, as crises cíclicas são cada vez
mais frequentes – após o fim dos “anos dourados do capitalismo” do pós-guerra
(1945-1973) – e parecem indicar que, na verdade, entramos numa época de crises econômicas estruturais do
sistema capitalista. Não se trata mais de crises passageiras. Também não são
crises de legitimação ideológica (ligada aos valores que sustentam a sociedade
burguesa, como se deu p.ex. na revolta dos estudantes e operários em Maio de
1968), nem só de crises sociais, políticas e ambientais. Todas essas crises são
realmente importantes, como vimos anteriormente, mas elas não parecem ser capazes
de trincar e quebrar a estrutura do sistema e colocá-lo abaixo. Talvez, somente
a crise ambiental chegue próximo a isso, pois é a base de qualquer economia. A
crise se torna realmente estrutural,
como previu Marx, quando abala e esgota os fundamentos do sistema, isto é, a
base que o sustenta: o trabalho
produtivo (elaborado sobre a natureza).
Desde o início, vale lembrar, o
capitalismo gera crises cíclicas de
superacumulação – crises em que ocorre a paralisação temporária do capital
investido, que se revela em excesso, por falta de venda das mercadorias,
incluindo aí os trabalhadores, que se tornam desempregados. Foi exatamente isso
o que ocorreu em 1929, quando a economia americana (e também a brasileira, com
o café) acumulou enormes capacidades produtivas e toneladas de mercadorias, mas
deixou de encontrar mercados externos na economia europeia (que se fechou, por
meio de tarifas alfandegárias elevadas, para desenvolver a sua própria
indústria, preparando-se para a 2ª Guerra). De repente, o preço das ações das
empresas se viram superestimados e supervalorizados e tiveram de cair. O que se
seguiu foram falências e desemprego de massas, que duraram até o início da 2ª
Guerra (que reativou a economia americana – a forma mais terrível, bastante
conhecida, de empurrar a economia capitalista adiante).
Essas crises cíclicas, portanto, sempre
lançaram o sistema adiante, a níveis cada vez mais elevados de produção, após
algum tempo de espera e de resolução dos pontos de estrangulamento ou saturação.
Assim, a ampliação do crédito para o consumo, o deslocamento do investimento para
novas áreas e setores (com menores salários e mais vantagens locacionais), as guerras
(que podem exigir maior produção e destruir excedentes de uma só vez), as políticas
keynesianas de investimentos estatais na economia (principalmente através da
construção de obras públicas e infraestruturas) – tudo isso sempre pôde criar
demanda artificial e fazer retomar o crescimento dos países. Mas não sem gerar dívidas, que precisam ser
pagas nos anos posteriores.
Dessa vez parece ser um tanto diferente.
O capitalismo globalizado, por meio da 3ª Revolução Industrial, acumulou
capacidades produtivas excedentes de mercadorias que já não conseguem ser totalmente
vendidas e remunerar o capital investido. Ao contrário, essas capacidades produtivas
só alimentam dívidas gigantescas –
seja para a sua produção (pois exige enormes gastos com infraestrutura produtiva e social: escolas,
universidades, saúde, estradas, portos, energia etc.), seja para o seu consumo (crédito imobiliário,
parcelamento de bens duráveis e de produção etc.). Dívidas que vão se acumulando
e se tornando insolváveis – a não ser multiplicando novos empréstimos, fazendo
incidir juros sobre juros, num esquema do tipo “bola de neve”. Vide o endividamento europeu e estadunidense nos gráficos.
A causa mais profunda das crises estruturais
recentes é então precisamente esta: o desejo infinito de valorização do capital
tende a superacumular meios de produção e mercadorias, que, por
sua vez, custam a serem vendidas e retornarem como lucro real. O que incita o
capital a paralisar o seu crescimento acelerado (típico do fordismo dos anos
1950-70) e a se desvalorizar em massa. Um retorno à produção fordista,
absorvedora de força de trabalho em massa, é impossível, pois a humanidade não
pode simplesmente esquecer os novos métodos produtivos que poupam força de
trabalho.
A
crise ocorre porque o sistema tende a reduzir a fonte de todo valor e
mais-valia: tende a eliminar maciçamente o trabalho humano do processo
produtivo (lembremos
da cifra de 2/3 da PEA mundial desempregada e subempregada, isto é, só
empregável em condições subvencionadas pelo Estado, mediante complementos
estatais de renda, ou sob terríveis e
desumanas condições de exploração).
Mas assim fazendo, reduzindo
fortemente o trabalho socialmente necessário (o que, numa sociedade utópica,
poderia muito bem servir à redução radical da jornada do trabalho para todos) e
desvalorizando sua fonte de valor, o sistema do Capital tende a reduzir a capacidade de compra para as
mercadorias que ele superproduziu. Desse
modo, elas tendem a ficar sem escoamento possível – principalmente numa
conjuntura neoliberal que gera desemprego
e reprime os salários no mundo
todo. Nessas condições o capital produtivo tende a diminuir o seu ritmo de
acumulação – o que se expressa nas baixas taxas anuais de lucro retido pelas
corporações (após pagamento de impostos e juros de dívidas), de acumulação real
e de crescimento do PIB mundial, após 2008 (vide gráficos dos EUA).
Daí a necessidade extrema de globalizar o
comércio, criar blocos econômicos regionais para a livre circulação de capitais
e mercadorias, criar liquidez e mobilidade total para o capital, desregulamentar,
flexibilizar e precarizar os contratos de trabalho, privatizar empresas
públicas a preços de banana, enfim, ampliar mais e mais o consumo através da
propaganda e do crédito, criando novas necessidades artificiais e supérfluas,
novos produtos culturais e tecnológicos, diminuir a vida útil dos produtos. Em
suma, eis a necessidade de ampliar a produção e o consumo a qualquer custo. Ter
a obrigação de ser feliz pelo consumo, aparentar (mais do que ser) um
consumidor satisfeito – eis a nova religião capitalista que complementa a
religião protestante do trabalho, desde os anos 1950 e 60. Acontece que robôs e
computadores não fazem greves, e também não compram nada, nem têm sentimentos
ou necessidade de ostentação de status
social.
Isso significa, portanto, que o
capitalismo cava o buraco em que ele mesmo está hoje enterrado. As cifras
trilionárias do PIB mundial e da especulação são em grande parte (ou quase
totalmente) fictícias, fetichistas, imaginárias. Elas dependem basicamente do crédito e da especulação – ou seja, dependem de um valor real que ainda não foi
produzido e que talvez jamais o será. Talvez seja este o verdadeiro fim da
história de Fukuyama.
O que é o valor de uma mercadoria? O
que dá valor ao dinheiro existente? Segundo Marx, o valor de uma mercadoria é
nada mais que a cristalização de uma certa média social de tempo de trabalho. Como
todos sabem, time is money. Ou seja,
o valor depende das horas de trabalho gastas na produção de mercadorias. O
dinheiro não vale por si próprio, mas é apenas a expressão simbólica (materializada
num pedaço de papel ou metal) que tem de corresponder a uma riqueza real
produzida pela economia real, explorando a energia humana dos trabalhadores,
cristalizando-a em uma imensa acumulação de mercadorias (que podem ser também serviços
prestados).
Ora, quando a 3ª revolução industrial
tende a economizar e, no limite, a
eliminar em massa o trabalho vivo dos processos produtivos mais importantes,
então, diminui a quantidade de novo valor (ou mais-valia) inserida no sistema,
bem como as taxas médias de lucro. As
mercadorias saem com o custo unitário cada vez mais barato, devido ao aumento
da produtividade do trabalho, mas assim também aumenta a quantidade de
mercadorias a serem vendidas, a fim de que se possa realizar a mais-valia (ou o
lucro) nelas embutido. Vamos imaginar um exemplo hipotético.
Se eu invisto um capital de US$ 200
milhões para produzir 200 lanchas em certo período de tempo,
utilizando 100 trabalhadores, gerando um lucro de 50 milhões (D investido: -200 + 50* de lucro, com cada lancha sendo
vendida por 1,25 milhão), então, minha taxa de lucro é de 50/200 = 25%. Na próxima rodada da acumulação (digamos,
após 5 anos), a concorrência me obriga a investir em novas tecnologias (microeletrônicas
e automatizadas). Agora precisarei empregar US$ 290 milhões na produção,
incluindo estas tecnologias e apenas 10 trabalhadores de alto nível técnico,
que farão 350 lanchas, com o preço
unitário de 1 milhão cada, gerando um lucro de 60 milhões. Os preços unitários cairão, mas o meu capital total –
se conseguir vender todas as lanchas produzidas – aumentará um pouco: terei no
total 350 milhões (D investido:-290 + 60* de lucro). Ou seja, terei futuramente
100 milhões a mais do que há 5 anos atrás quando iniciei a fábrica. Porém,
agora, tive de investir muito mais em tecnologias do que em trabalho/salários. O
novo maquinário, os novos funcionários etc. me custaram 290 milhões, e não mais
200, como anteriormente. A mais-valia real produzida foi 60 milhões, apenas 10
milhões a mais do que há 10 anos atrás. Assim, a taxa de lucro diminuiu: 60/290
= 20,6%. De fato, o investimento
compensará se eu conseguir realmente vender estas lanchas rapidamente, conseguindo
cobrir os meus custos e aumentar o meu capital total para 350 milhões. Mas se
não conseguir, terei de pedir mais empréstimos para pagar as dívidas passadas
com as novas tecnologias e trabalhadores (US$ 40 milhões que me faltavam para
realizar o novo investimento). Porém, se eu vender apenas 200 lanchas (US$ 200
milhões), não conseguirei nem mesmo cobrir o custo total do investimento (US$
290 milhões); assim terei de começar a reduzir os planos de produção, vender
máquinas, demitir alguns funcionários ou mesmo, talvez, mudar de ramo e decretar
a falência. E, no entanto, muito antes disso, 90 funcionários já haviam sido demitidos.
Consequentemente, haverá menos capacidade aquisitiva no mercado
em geral (entre empresas, Estados e trabalhadores). Daí a dificuldade geral de
vender e realmente realizar os lucros embutidos nas mercadorias. Não, talvez, para
o mercado de lanchas, que é voltado aos altos executivos e aos grandes
capitalistas, que podem se endividar e pagar a médio prazo as suas lindas
lanchas, além de viagens internacionais, carros luxuosos, bens importados e
tudo o mais. Mas os 90 trabalhadores demitidos deixarão de comprar alimentos,
roupas, eletrodomésticos, moradias etc. A não ser que eles troquem de setor, expulsem
outras pessoas “menos competitivas” do que eles, desempregando-as, numa onda de
empurra-empurra geral de alto a baixo na escala social. Serão então 90 futuros
migrantes ou, no limite, 90 excluídos, talvez criminosos. Os altos executivos
donos de lanchas também poderão perder o emprego, a partir dessa falta de
consumo geral, e pôr tudo a perder, deixando de me pagar as prestações de sua
maravilhosa lancha. Poderei até reaver a lancha, mas terei de encontrar outro
alto executivo disposto a comprar uma lancha usada, numa economia agora em
crise.
A não ser, ainda, que a economia
mundial cresça num ritmo médio “normal” de 3% ao ano (o número mágico proposto
pelos economistas e políticos) e consiga ampliar mercados, gerar mais lucros,
mais capital e mais renda do que o capital social total investido (nas
infraestruturas produtivas e sociais), e consiga assim absorver mais força de trabalho do que antes, reduzindo
drasticamente o desemprego. Porém, é exatamente isso que a economia mundial hoje
está cada vez menos conseguindo fazer, a partir dos novos custos de
modernização impostos pela 3ª revolução industrial.
Multipliquemos esse exemplo para os
vários setores da economia “tecnicizada e cientificizada” e teremos o atual problema
estrutural do desemprego dos trabalhadores. Isso que se torna assim, também, o desemprego estrutural do capital. A desvalorização geral do trabalho (dos salários,
dos direitos etc.) se converte, a curto ou médio prazos, na desvalorização geral do capital, já que
capital (o dinheiro investido: D-M-D*) nada mais é do que o acúmulo do trabalho
explorado e alienado. Nessas condições, o capital desvia-se para o lucro
“fácil” das bolsas (embora de alto risco).
É por isso que as bolsas sobem, sobem,
sobem como balões de ar quente, até que despencam de uma vez e as empresas
perdem os valores estratosféricos que estimavam possuir. Se a minha empresa de
lanchas tivesse ações na bolsa, tais ações poderiam estar valendo não apenas
350 milhões no total, conforme a promessa normal de lucros futuros. Os
acionistas poderiam começar a comprar e a revender esses títulos, já sem
esperar os dividendos futuros. Gerariam uma supercapitalização que faria tais
ações valerem algo como 360 ou 400 milhões – enfim, algo como 50 milhões a mais
do que a minha empresa valerá futuramente, no momento de distribuir os
dividendos entre acionistas. Não que a especulação seja pura ficção. Se a
procura por lanchas aumentar muito, realmente as minhas lanchas poderão ser
vendidas não por 1 milhão cada, mas por 1,25 milhão, como há 5 anos atrás;
nesse caso o capital total da empresa atingirá até mais do que o inicialmente previsto:
437,5 milhões (350 lanchas x 1,25 milhão cada).
A maioria dos
capitalistas faz isso: compra ações e títulos baratos, especula em cima dos
altos e baixos repentinos, vendendo-os sempre na hora certa. Há muito tempo,
desde pelo menos os anos 1980-90, que os bancos e as grandes corporações têm lucros financeiros muito superiores aos de sua área de atuação real (produção,
comércio ou prestação de serviços), nos mercados totalmente desregulamentados. Os
lucros se devem menos aos seus trabalhadores ocupados do que à atuação de um
departamento financeiro “esperto” e bem “antenado” nos negócios especulativos. Há
até um sistema de “bancos sombra” ou “às escuras”, ganhando dinheiro com
operações ilegais e arriscadas no mundo (sem qualquer lastro ou depósito
monetário real). Os bancos criam “capital fictício” ao emprestarem dinheiro sob
a forma de títulos de crédito uns para os outros, criando derivativos e
securitização de dívidas, que multiplicam a jogatina global totalmente instável
e irresponsável. Isso ocorre porque o mercado financeiro é sempre otimista,
"aventureiro" e cego: para ele, toda produção ou toda nova tecnologia promete
ganhos futuros gigantescos – pouco lhe importam às vezes os custos reais de
produção, as taxas decrescentes de lucro (maquiadas nos balanços empresariais),
a saúde geral da economia e os ganhos reais da sociedade mais ampla (baseada
fundamentalmente em salários – e não em créditos ou especulação financeira,
embora esta última possa alimentar o consumo de famílias de trabalhadores nos
países mais desenvolvidos como os EUA e a Alemanha).
Mas se a minha fábrica
de lanchas der sinais de falta de vigor comercial e financeiro-especulativo, se
eu não apresentar balanços positivos no decorrer dos anos, as ações totais
podem repentinamente cair e equivaler somente ao preço das 200 novas lanchas
que já consegui vender até o momento (uma queda de US$ 350 para 200 milhões) –
ou ainda menos, digamos 150 milhões, pois o mercado começa a desconfiar que o
mar dos negócios não está para lanchas – lanchas que estão prestes a ficar
encalhadas na lama das vitrines ou nos pátios de minha fábrica. Ou ainda pior,
se o “negócio da China”, a “bola da vez”, agora, não forem mais lanchas, mas
helicópteros e jatinhos particulares!
Chega assim um momento em que o
consumo só pode ser estimulado artificialmente pelo crédito privado e a demanda
estatal. Só isso mantém a Grande Máquina funcionando, adiando o acerto de
contas com a baixa acumulação real. Portanto, temos um consumo de massas movido
artificialmente por meio de dívidas, estendidas no tempo. Daí em diante, a civilização
capitalista perde os seus bons modos. Os lucros só são obtidos por meio das estratégias mais selvagens possíveis (dumping social, depredação ambiental,
privatizações, expropriação e patenteamento geral do saber e da cultura etc.). Se
a acumulação real de capital tende a decrescer porque as taxas de lucro na
produção tendem a diminuir, então se pode tentar contrapesar isso pelo aumento
das taxas de exploração – isto é, através da espoliação mais radical dos
trabalhadores e da natureza. Todos pagarão com a miséria, há muito conhecida na
periferia subdesenvolvida. Trata-se de um processo de “africanização” ou
“brasilianização” do mundo, segundo alguns sociólogos europeus.
Não é então que o capitalismo não
explore ainda muito trabalho ou que deixe de produzir mais-valia e lucros. Mas
que o trabalho explorado não gera tanta mais-valia como antes! As taxas de
lucro tendem a diminuir por causa do aumento dos enormes custos de investimento
em capital fixo (infraestrutura produtiva e social), gerando dívidas que, se
tivessem de ser pagas imediatamente, tornariam tais produções totalmente
improdutivas e inviáveis, ou seja, não-lucrativas. O total do capital
financeiro-especulativo em torno de U$$ 600 trilhões – em que não há só ações e
papeis imobiliários, mas títulos da dívida pública dos governos e dívidas
privadas, comercializados como qualquer ação – significa que teríamos de
produzir, a curto ou médio prazo, cerca de 5 ou 6 vezes o valor do PIB mundial
atual, ou seja, adiantar uma produção equivalente à esperada para todo
o século XXI ou XXII! Isto, é claro, se as bases sociais, naturais e ecológicas
aguentarem uma tal empreitada!
Com taxas muito baixas ou arriscadas
de lucro produtivo, o capitalista então se desestimula a investir na economia real
– o que faz aumentar ainda mais o desemprego e a recessão. Ele tentam então,
como um Mágico, realizar o impossível: tenta simular um lucro que ainda nem foi
realizado na produção real de mercadorias. Algumas empresas então possuem
ativos financeiros enormes que, em pequeno grau, voltam à produção, são
aplicados produtivamente (até para justificar o nome e o valor da empresa no
mercado). A bolsa é uma forma rápida de capitalização produtiva das empresas.
Mas as somas de dinheiro a ser investidas a cada rodada são tão grandes que a
maior parte desse dinheiro se mantém girando, de maneira livre e
desregulamentada, na esfera financeira e especulativa. Um dinheiro que copula
com dinheiro e gera mais dinheiro automaticamente. Isso pelo menos até que a
inadimplência dos consumidores e os negócios reais se revelem claramente como deficitários,
negativos ou simplesmente inviáveis, pois no fundo são incapazes de gerar
realmente mais valor do que o já acumulado. Esse dinheiro fictício da ações e
títulos então vira fumaça – esteja nas mãos de quem estiver – e desaparece tal
qual um dia surgiu. Na bolsa sempre há os espertos, como o especulador George
Soros (que lucrou US$ 3 bilhões em 2008) e os enganados que ainda não
perceberam que tudo não passa de simulação e especulação de lucros fantasiosos
e dívidas praticamente impagáveis mesmo a longo prazo.
O que as novas tecnologias da 1ª, da
2ª e da 3ª revolução industriais possibilitam é exatamente isso: um conjunto de
bens materiais e imateriais abundantes e quase sem nenhum valor, pois pouco trabalho realmente produtivo é absorvido
em sua fabricação e distribuição. Eles deveriam valer nada ou quase nada – mais precisamente, valer só o irrisório número
de horas de trabalho que ainda é necessário para produzi-los, divididos pela
sua quantidade. O seu alto preço é, assim, em grande parte, uma ficção artificialmente criado por rendas
de monopólio, através de: a) marketing
das marcas, b) propriedade intelectual do saber cultural e científico (que não
deveria valer coisa alguma, pois representa quase nada em termos de horas de
trabalho); c) propriedade imobiliária; d) juros e lucros de especulação sobre
lucros produtivos futuros irrealizáveis. Continuamos a pagar muito por eles,
mas muitos produtos ficam encalhados ou deixam de ser produzidos, justamente
porque não há valor real (em lucros e salários) que os possa pagar. Ao invés de
serem usados para acabar com o sofrimento e a miséria social mundial, tais bens
de produção e consumo são trancafiados a sete chaves por seus proprietários.
Nessas condições alienadas, os fantásticos meios de produção, criados pelo
conhecimento técnico-científico da humanidade, se tornam meios de destruição
coletiva, gerando apenas desemprego e miséria, violência e guerras.
Foi essa paralisia geral que se deu em
2008-2012 (com o mercado imobiliário americano, inglês, irlandês, espanhol e
grego). É isso, ainda, que ocorre com os próprios Estados nacionais, altamente
endividados, e que hoje parecem prestes a decretar a moratória na União
Europeia, com ajustes macroeconômicos antipopulares (na Grécia, Portugal,
Irlanda e Itália), ou seja, políticas de austeridade que cortam os gastos
sociais de uma vida moderna desenvolvida na época do Welfare State (previdência social, funcionalismo público, corte nos
salários, férias, programas sociais diversos, saúde e educação etc.). Cortes que
punem os trabalhadores enquanto
reservaram trilhões de dólares e euros para
sanar os chamados “créditos podres” dos bancos. O Estado transformou a
crise econômica e financeira em crise das contas públicas e crise fiscal, que
já está se transformando em crises sociais agudas (movimentos como Occupy Wall Street, nos EUA, dezenas de
greves em toda Europa etc.). Só estas medidas de emergência salvaram o
capitalismo do desastre.
O fim da história? Parece-nos claro
que essas novas crises vieram para ficar. A não ser que a economia capitalista
revele milagrosamente um fôlego de sete gatos, com sete vidas, em seis ou sete
planetas iguais a este.
Bibliografia
Davis, Mike. Planeta
favela. São Paulo: Boitempo, 2006.
Harvey,
David. O enigma do capital e as crises do
capitalismo. S. Paulo: Boitempo, 2011.
Kurz,
Robert. O colapso da modernização [1991].
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
4 comentários:
Cláudio, eu te acho um gênio, por isso não me excuso a te encher o saco um pouquinho: por que censurar meus comentários em seu blog? Vc não e´o democrata e eu o stalinista?
Li seu texto sobre as manifestações de junho. Foi uma manifestação contra o estado, não seja tolo, como podem ser estúpidos os inteligentes, como disse Adorno! Veja o que dizem os maoístas, veja os vídeos da A Nova Democracia, leia o jornal A Nova Democracia, veja o site do MEPR! Vc se mostrou totalmente petista. Crítica ao oportunismo e fato de que PT É DIREITA!!!
Abs do Lúcio Jr!
PT é direita, com elementos desenvolvimentistas de esquerda mais ou menos "socialista-real". eu não idealizo nada, apenas aponto linhas de menor resistência na luta difícil que se abriu após o MPL - aliás, o meu texto é um elogio ao MPL e não ao PT.
Quanto ao PT e o espantalho socialita: não estão tão longe assim do socialismo real, pois muito desse crescimento industrial e agrícola é nada mais do que os bolchevistas fizeram na antiga URSS, só que sem apoio de banqueiros e multinacionais ou da burguesia nacional. Lá isso tudo foi trocado pelo monopólio estatal e o cipoal das burocracias imensas da dominação. Em vez da superação do proletariado, apenas a sua conservação miserável.
Oi, Cláudio. Crescimento industrial não houve, isso é mentira. O crescimento agrícola é estilo dos junkers alemães, manutenção dos latifúndios feudais modernizados.
De forma alguma isso tem a ver com a URSS, engano seu. Isso é desenvolvimento do subdesenvolvimento num país semicolonial...
A dívida total dos EUA é de 60 trilhões
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