O ANCAP COMO ESPÍRITO ANIMAL EXEMPLAR
DO CAPITALISMO BRASILEIRO ATUAL
Sempre estranhei a
obsessão desses novíssimos liberteens e ancaps em cima da autopropriedade, o
discurso repetitivo sobre "ferir as regras do PNA" (Princípio de
Não-Agressão), em uma comunidade de gente solitária, apenas linkada pela web,
sempre hiperagressiva, conservadora e reacionária, amante da mamãe ou da
violência e dos temas de segurança privada, em grupos de maioria classe média,
branca, racista e quase idêntica, seja aqui ou lá fora.
Não são figurações do
narcisismo contemporâneo? Em Esaú e Jacó, de Machado de Assis, temos irmãos
gêmeos e um par de famílias vivendo em um espaço segregado, narcísico e
ordenado por definição, em que se produz o completo desaparecimento e
aniquilação do outro. Um espaço de "amor materno", por um lado, que
remete ao gozo sem travas da casa grande, e de rixas, trapaças e golpes
rotinizados entre os dois irmãos, por outro.
Lá como cá, temos o
narcisismo de um Eu sitiado e a construção de um território murado e administrado,
de defesa contra todo tipo de alteridade.
ESTE belo texto de Serge Leclaire dão uma luz sobre esse
tipo de sujeito:
"Que angústia!
Vivemos num mundo em forma de mãe! A sala, sua casa ou seu apartamento podem
ser um espaço matemo. Aliás, a empresa na qual você vive também é um sistema
que pode servir de mãe, boa ou má.
A angústia do homem produz esse tipo de construção. Por que ele é obrigado a ver mãe em todos os lugares? É porque ele possui um órgão o qual tira um pouco de prazer e sua anatomia lhe dá um pênis, sempre grande, é claro! Por esse pedacinho de corpo que lhe dá um pouco de prazer, ele quer acreditar que detém a chave do paraíso. O paraíso é o outro mundo; ele tem a chave, ou pelo menos supõe que tem a chave do céu, como são Pedro. Para ele, é muito importante defender esse sonho.
Mas, ao mesmo tempo, ele
tem consciência de que não detém a pedra filosofal. Não conhece a fórmula mágica com que sonham todos os sonhadores. Assim, é importante dar uma realidade ao seu sonho, defender o pouco prazer que pode ter.
A mãe é uma boa imagem de um paraíso ou de um inferno. Para
manter esse sonho, tudo, o mundo inteiro se torna então representação desse
pedacinho do céu, desse outro mundo que é o corpo materno. A representação da
mãe se torna o grande ídolo, e a atividade do homem consiste em fabricar
ídolos, seja um metrô ou um arranha-céu, um sistema filosófico bem fechado ou
uma teoria pessoal. Sua grande atividade é construir espaços fechados. A mãe,
nesse sonho, é verdadeiramente o modelo universal que ordena o dentro e o fora,
que nos dá até uma representação das leis da gravitação, um centro, uma
periferia; a gravidade natural do homem o faz voltar para esse espaço mítico, a
fim de
manter o seu sonho. (...) Sobre esse mundo feito de lar, casa, propriedade, refúgio, o homem reina, como os reis do Ancien Régime, segundo o seu "bel prazer". O homem constrói assim um mundo de imagens que produz coisas extraordinárias".
manter o seu sonho. (...) Sobre esse mundo feito de lar, casa, propriedade, refúgio, o homem reina, como os reis do Ancien Régime, segundo o seu "bel prazer". O homem constrói assim um mundo de imagens que produz coisas extraordinárias".
(Serge Leclaire, "Narcisismo" in: Escritos
clínicos, [1996/8]; Zahar, 2001).
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